Além das Ruínas: Como Ken Hite Redefiniu o RPG Pós-Apocalíptico
Esqueça os clichês de Mad Max; Ken Hite nos ensinou que o fim do mundo pode ser muito mais estranho, inteligente e, acima de tudo, emocionan...
Esqueça os clichês de Mad Max; Ken Hite nos ensinou que o fim do mundo pode ser muito mais estranho, inteligente e, acima de tudo, emocionante.
Ken Hite não é apenas um prolífico designer de RPG; ele é um historiador, um conspirólogo amador e um dos cérebros mais incisivos da indústria. Sua abordagem para o RPG sempre foi a de desconstruir gêneros, mergulhar em suas raízes mais obscuras e reconstruí-los com uma camada de erudição, mistério e perigo. No cenário pós-apocalíptico, onde muitos se contentam com os tropos mais óbvios, Hite viu um campo fértil para uma exploração mais profunda e original.
A contribuição seminal de Hite para o gênero pós-apocalíptico é, sem dúvida, The Day After Ragnarok (TDaR), um cenário para o sistema Savage Worlds. Em vez de um apocalipse nuclear genérico, TDaR propõe que o mundo acabou quando a mítica serpente Jörmungandr, do Ragnarok nórdico, se desenrolou da Terra, causando terremotos catastróficos e a ascensão de serpentes gigantes por todo o globo. Este cenário não só oferece um evento cataclísmico único, mas também infunde o pós-apocalipse com uma estética pulp e mitológica que o diferencia de tudo o que veio antes.
Hite demonstra maestria em pegar um conceito familiar e virá-lo de cabeça para baixo. Em TDaR, os poucos sobreviventes se refugiam em estruturas elevadas, os "Sky-Serpent Towers", enquanto a superfície é um mar de lama e perigo serpentino. Essa premissa não é apenas um pano de fundo; ela dita a engenharia social, a economia e os perigos de cada sessão de jogo. Para mestres, isso é uma lição valiosa: um evento apocalíptico bem detalhado e com consequências lógicas pode moldar todo o ambiente de jogo, tornando-o um personagem em si.
A filosofia de design de Hite perpassa seu trabalho em outros sistemas, como o GUMSHOE da Pelgrane Press (com a colaboração de Robin D. Laws). Embora TDaR não utilize GUMSHOE, a mentalidade de Hite de "investigação acima de tudo" e a interconexão de detalhes para construir uma narrativa coerente são evidentes. Mesmo em um mundo devastado, ele nos encoraja a buscar mistérios, facções ocultas e segredos de antes da queda, enriquecendo o drama e a profundidade de cada campanha. A resiliência e a busca por verdades, mesmo em um mundo de ruínas, são temas que ressoam fortemente em seu trabalho.
Para mestres que buscam elevar suas campanhas pós-apocalípticas, Hite oferece uma lição crucial: pesquise e inove. Em vez de simplesmente copiar Mad Max ou Fallout, explore mitologias, eventos históricos menos conhecidos ou até mesmo a ciência por trás de um desastre natural. Como seria uma sociedade pós-apocalíptica se a causa fosse, por exemplo, uma praga de fungos que altera a mente, ou uma inversão dos polos magnéticos? A criatividade alimentada por pesquisa cria mundos que parecem reais e vibrantes, mesmo em ruínas.
Outra dica de alto valor inspirada em Hite é focar na "geografia narrativa". Como o ambiente pós-apocalíptico em si conta uma história? Ruínas enferrujadas, estradas bloqueadas, monumentos desabados – cada detalhe pode ser uma pista para o que aconteceu, para os perigos atuais e para as oportunidades de aventura. Não apenas descreva o cenário; use-o para evocar emoção, para sinalizar perigos iminentes ou para revelar a história esquecida daquele mundo. Deixe que o próprio cenário se torne um personagem ativo na sua narrativa.
Ken Hite nos mostrou que o pós-apocalipse não precisa ser um mero palco para a escassez de recursos e o combate incessante. Pode ser um laboratório para a imaginação, um campo para a mitologia reimaginada e um convite para explorar as profundezas da resiliência humana diante do incompreensível. Sua obra continua a inspirar mestres a construir mundos que não apenas sobreviveram, mas prosperaram em sua estranheza única, elevando o gênero a patamares de profundidade e originalidade que poucos ousaram explorar.