Por que como os sistemas independentes desafiaram o domínio da Wizards of the Coast pode ser a chave para entender Star Wars RPG (d20 e Fantasy Flight)
O legado dos sistemas independentes de RPG vai muito além de pequenos jogos de nicho; ele oferece uma lente crítica para compreender as esco...
O legado dos sistemas independentes de RPG vai muito além de pequenos jogos de nicho; ele oferece uma lente crítica para compreender as escolhas de design, os sucessos e os desafios enfrentados até mesmo pelas maiores franquias, como Star Wars sob a Wizards of the Coast e, posteriormente, a Fantasy Flight Games.

No início dos anos 2000, o RPG de mesa era dominado pela Wizards of the Coast (WotC), impulsionada pelo sucesso estrondoso de Dungeons & Dragons 3ª Edição e seu sistema d20. A licença aberta do d20 System fez com que ele se tornasse a base para incontáveis outros jogos, desde ficção científica até fantasia, prometendo uma "linguagem comum" para jogadores e mestres. Nesse cenário, o aguardado Star Wars Roleplaying Game (d20) da WotC parecia uma escolha natural, oferecendo uma familiaridade que muitos mestres e jogadores apreciavam, transplantando a ação galáctica para um sistema robusto e tático, embora genérico.
Contudo, nas periferias dessa hegemonia, um movimento de designers independentes estava florescendo. Nomes como Ron Edwards, com seu seminal Sorcerer (2001), e Vincent Baker, de Dogs in the Vineyard (2004), começaram a questionar as premissas de D&D, focando em sistemas que priorizavam a narrativa, o drama do personagem e a agência do jogador de maneiras inéditas. Plataformas como The Forge (fundada por Ron Edwards e Emily Care Boss) se tornaram um caldeirão de ideias, com discussões intensas sobre design de jogos que geraram conceitos como "narrativa emergente", "fail forward" (falhar avançando) e "jogar para descobrir". Esses jogos buscavam não apenas simular um mundo, mas também guiar a história de forma específica, com mecânicas que incentivavam certos tipos de drama e conflito.
É aqui que a história do Star Wars RPG se torna instrutiva. A versão d20 da WotC, apesar de suas qualidades, muitas vezes lutava para capturar a essência cinemática de Star Wars. O sistema, originalmente concebido para masmorras e combates táticos de fantasia, podia tornar a força, os duelos de sabre de luz e as perseguições espaciais mais mecânicas e menos fluidas do que a saga merecia. Mestres precisavam de um esforço considerável para "adaptar" o sistema para as necessidades narrativas de Star Wars, preenchendo as lacunas com regras da casa e interpretação.
Anos depois, quando a Fantasy Flight Games (FFG) assumiu a licença de Star Wars RPG, o cenário do design de jogos havia evoluído. A influência dos sistemas independentes era inegável. A FFG não buscou um sistema genérico; em vez disso, desenvolveu um conjunto de três jogos interconectados (Edge of the Empire, Age of Rebellion, Force and Destiny) que compartilhavam um revolucionário sistema de dados narrativos. Esses dados não apenas determinavam sucesso ou falha, mas também geravam "vantagens" e "ameaças" narrativas, permitindo que cada rolagem adicionasse nuances e reviravoltas à história, independentemente do resultado primário. Essa abordagem ecoava diretamente a filosofia "jogar para descobrir" dos jogos independentes, onde a mecânica é parte integrante da criação da narrativa, e não apenas um árbitro.
Para nós, mestres de RPG, essa transição oferece lições valiosas. A principal delas é a importância de alinhar a mecânica do jogo com a narrativa que você deseja criar. Se o seu sistema recompensa o combate tático, mas sua campanha é sobre intriga política, você precisará trabalhar mais para compensar. Os sistemas independentes nos ensinaram que as regras podem e devem servir à história. Ao mestrar, pergunte-se: "Esta regra está a serviço da emoção, do drama ou do tema que quero explorar?"
Outra dica de alto valor é observar como os sistemas da FFG, inspirados por essa era pós-d20, utilizam resultados parciais ou complicações. Ao invés de um simples "sim" ou "não" para uma ação, o sistema de dados narrativos oferece uma gama de resultados que podem ser interpretados. Mestres podem incorporar isso em suas mesas, mesmo em sistemas mais tradicionais: em vez de um fracasso total, talvez um sucesso venha com uma consequência inesperada, ou uma falha revele uma nova pista crucial, mantendo o ímpeto da história. Pense em como uma "vantagem" pode ser uma oportunidade narrativa para os jogadores ou uma "ameaça" um novo obstáculo para o grupo.
Explorar o universo dos RPGs independentes, mesmo que superficialmente, é uma mina de ouro para qualquer mestre. Jogos como Apocalypse World de Vincent Baker e D. Vincent Baker, Blades in the Dark de John Harper, ou até mesmo os mais leves Lasers & Feelings de John Harper, oferecem perspectivas frescas sobre como a estrutura do jogo pode evocar emoções e narrativas específicas. Você não precisa jogar todos, mas absorver suas filosofias pode inspirar house rules criativas, novas maneiras de interpretar rolagens de dados ou abordagens mais envolventes para construir arcos de personagens e campanhas. É sobre trazer a mentalidade de "história primeiro" para cada sessão.
Em suma, a evolução do Star Wars RPG, de um sistema d20 genérico para os dados narrativos da FFG, é um testemunho da profunda influência que os sistemas independentes exerceram sobre o design de jogos. Eles nos mostraram que a liberdade criativa e a busca por uma narrativa mais rica não precisam estar presas a convenções antigas. Para nós, mestres, essa é uma chave poderosa: entender que as ferramentas de design podem ser flexíveis e moldadas para criar experiências verdadeiramente inesquecíveis, seja em uma galáxia muito, muito distante ou em qualquer mundo que sua imaginação possa conceber.
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
